Especialistas na área do Direito eleitoral e Ciências Políticas estiveram reunidos durante dois dias (30 e 31/10), em Florianópolis, para participar do Congresso Catarinense de Direito Eleitoral – A Reforma Política em debate. O evento, promovido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC) em parceria com a seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC), reuniu cerca de 400 participantes.
De acordo com presidente do TRE/SC, Desembargador Antonio do Rêgo Monteiro Rocha, que abriu os trabalhos do Congresso na manhã de ontem, a ideia de realizar um evento para tratar da reforma política surgiu no começo deste ano. “O balanço é muito positivo, porque conseguimos reunir pessoas de renome nacional para tratar de um tema de grande relevância para o país. É importante, sobretudo para conhecermos a doutrina, jurisprudências, observar a situação atual e ver de que forma podemos avançar”, comentou.
Sobre a reforma, o Magistrado disse que as mudanças aprovadas são “tímidas” e não vão acrescentar muito. “Democracia se aprende com o tempo. O que o Brasil realmente precisa é de mais educação, cultura. Acredito que dessa forma é que vamos poder melhorar (na área política). De todo modo, mesmo com imperfeições, a nossa democracia está funcionando. Eu confio no Brasil, na sociedade, de modo que eu acredito num futuro melhor para o país”, pontuou.
Ele acrescentou, ainda, que as eleições de 2018 terão grandes desafios, por conta do rezoneamento eleitoral, implantação do sistema de biometria, bem como as resoluções que ainda serão editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para regulamentar o pleito do ano que vem.
Palestras do primeiro dia
A primeira conferência, cujo tema foi “Reforma Política Eleitoral”, teve como coordenador de mesa o presidente do TRE catarinense e como conferencista o Promotor de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, Pedro Roberto Decomain. Ele destacou que “a legislação eleitoral é muito irrequieta,” pois vive em constante mudança. O conferencista discorreu sobre diversos aspectos da reforma, principalmente sobre o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, enfatizando que os diretórios nacionais irão decidir como será feita a distribuição interna dos recursos, o que deverá acontecer após a realização das convenções partidárias, com a definição de todos os candidatos às eleições.
Na sequência, o Desembargador Jaime Ramos, diretor da Escola Judiciária Eleitoral de Santa Catarina, coordenou a mesa onde foi debatido o Sistema Eleitoral. “Federalização, coligação e cláusula de barreira” foi o tema exposto pelo Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, do Tribunal Superior Eleitoral, e por Diogo Mendonça Cruvinel, secretário judiciário do TRE-MG.
O Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto assinalou que mesmo os partidos que não têm representação movimentam muitos recursos, o que causa um problema na governabilidade. Conforme ressaltado pelo Ministro, há muitas matizes ideológicas e uma excessiva fragmentação partidária. No entanto, com a cláusula de barreira, alguns partidos seriam exterminados sem a preocupação com a ideologia dessas agremiações.
Já o secretário judiciário do TRE-MG, Diogo Cruvinel, fez uma reflexão das razões que levam os partidos a concorrerem de forma coligada (partidos menores que não conseguiriam superar o quociente eleitoral formam coligações para terem a chance de conquistar uma cadeira pela votação nominal de um de seus representantes).
O segundo tema, “Lista fechada, voto distrital e candidatura avulsa”, teve como painelistas o servidor do TRE/SP, Frederico Franco Alvim, e o professor dr. da UFMG Rodolfo Viana Pereira. Frederico Alvim iniciou sua exposição com a discussão relativa à escolha dos sistemas eleitorais, como escolher o sistema eleitoral mais adequado para cada país. Destacou que o sistema bom para um país não será necessariamente o melhor para outro; portanto, não podem ser avaliados em abstrato. Em seguida, o professor Rodolfo Viana Pereira afirmou que, para definir impactos no sistema eleitoral não há uma fórmula matemática. Citou, ainda, uma metáfora para exemplificar as alterações nos sistemas eleitorais: um teto com vários sinos interligados por cordas; quando se puxa uma corda p ara tocar um sino, não se sabe exatamente quais outros irão tocar também. Ainda, o professor declarou acreditar que o sistema proporcional representa melhor a grande diversidade existente no Brasil.
Na parte da tarde, foram abordados os temas “Financiamento dos Partidos Políticos e das Eleições” e “Condições de Elegibilidade e seus Efeitos”. O primeiro painel teve como coordenador de mesa o desembargador Carlos Eduardo Padin, corregedor regional eleitoral do TRE-SP, e foi dividido em dois subtemas: o primeiro – “Financiamento dos partidos políticos” – teve como painelistas o servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre Velloso de Araújo e a advogada Gabriella Rollemberg de Alencar.
Alexandre Velloso lembrou que “não é somente nas eleições que nós devemos olhar para os partidos políticos.” Ressaltou que as doações, atualmente, são feitas exclusivamente por pessoas físicas ou por partidos políticos, sendo vedado o recebimento de recursos de pessoas jurídicas. O servidor do TSE discorreu, ainda, sobre os tipos de recursos que podem ser utilizados nas doações e as dificuldades encontradas pelas agremiações para conseguir recursos de pessoas físicas, em razão do descrédito atual em relação à política. Mencionou, além disso, o fundo partidário, demonstrando a grande dependência que algumas agremiações têm desse tipo de financiamento. Por fim, Velloso ressaltou a importânc ia da Justiça Eleitoral na fiscalização do recebimento e da aplicação dos recursos pelos partidos políticos.
Na sequência, a advogada Gabriella Rollemberg iniciou sua exposição questionando até onde chega a autonomia dos partidos em relação aos recursos públicos recebidos. Embora a legislação dê uma certa amplitude aos gastos passíveis de serem realizados, há, também, uma dificuldade em responsabilizar os dirigentes que pratiquem irregularidades. A advogada ressaltou que, “hoje, constatado o dano ao erário, a penalização é para o partido político.” Ou seja, não há uma sanção específica aos dirigentes. Conforme destacou a palestrante, é necessário encontrar um equilíbrio entre a responsabilidade da agremiação e dos dirigentes partidários.
Já o segundo subtema – “Financiamento das Campanhas Eleitorais” – foi exposto pela secretária de Controle Interno e Auditoria do TRE-SC, Denise Goulart Schlickmann, e pela professora dra. da UERJ Vânia Siciliano Aieta.
Denise Schlickmann destacou que o modelo de financiamento das campanhas eleitorais permanece misto, com recursos públicos e privados. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha foi criado em virtude da proibição das doações empresariais. No que tange ao Fundo Especial, a palestrante assinalou que o Tribunal Superior Eleitoral distribui os recursos aos diretórios nacionais, que os repassam aos candidatos, embora a legislação não determine quais são os critérios utilizados para que esses valores cheguem aos candidatos.
O evento prosseguiu com a apresentação da professora dra. e advogada Vânia Aieta, que declarou que “o culpado pela corrupção não é o financiamento privado. O culpado pela corrupção é o corrupto.” Afirmou que “nunca houve tanto caixa 2 como agora, com as inúmeras proibições que estão sendo impostas”, sendo necessária uma fiscalização permanente.
Na sequência, na mesa coordenada pelo Ministro Jorge Mussi, do TSE, foi debatido o último tema do dia, a elegibilidade – Condições de Elegibilidade e seus Efeitos. O assunto foi dividido em dois subtemas: “Registro de candidatura e elegibilidade”, debatido pelo advogado Ruy Samuel Espíndola e pelo juiz efetivo do TRE-SC, categoria jurista, Wilson Pereira Junior; e “Soberania popular e anulação de eleição”, comentado pela professora dra. do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP e advogada Marilda de Paula Silveira e pela professora dra. da FGV/SP Adriana Ancona de Faria.
O advogado Ruy Samuel Espíndola, que deu início ao painel, destacou que “as eleições são uma verdadeira corrida de obstáculos.” Ressaltou a importância dos direitos políticos fundamentais, “condições de protetividade de todos os demais direitos.” Ademais, o palestrante criticou a constante mudança de entendimento das regras eleitorais, bem como as aplicações subjetivas de inelegibilidade, uma vez que a legislação não determina as condições específicas que ensejam essa hipótese.
A apresentação seguinte, do juiz Wilson Pereira Junior, deu sequência ao tema do registro de candidatura e da elegibilidade. Conforme assinalou o painelista, a legislação eleitoral está em constante mudança e muda de acordo com a vontade do legislador. “A legislação foi mudada por quem está nos representando,” afirmou. No que concerne à candidatura avulsa, na qual o candidato não é vinculado a nenhum partido político, o juiz ressaltou ser ainda um sistema embrionário, mas sobre o qual se deve refletir.
Sobre o segundo subtema, a professora Marilda Silveira discorreu sobre a questão da quebra de estabilidade e as soluções encontradas para cada caso. Conforme destacou, são diversas as hipóteses de quebra de estabilidade. Dentro do sistema eleitoral, há 11 hipóteses – constitucionais ou legais – nas quais a legislação permite suprimir um mandato eletivo, dentre as quais pode-se citar: abuso de poder econômico, fraude, corrupção, infidelidade partidária, conduta vedada, captação ilícita de sufrágio, abuso de poder político, indeferimento no registro de candidatura, dentre outras.
A última palestrante do dia, professora Adriana Ancona de Faria, ressaltou que, no processo eleitoral, há algumas práticas que favorecem a nossa grande crise política. “Uma crise não consegue ser superada se a gente não recuperar uma boa relação entre os Poderes da República,” asseverou.
Palestras do segundo dia
O último dia do evento foi iniciado com uma mesa sobre propaganda partidária e eleitoral, coordenada pelo juiz do pleno do TRE/SC, Davidson Jahn Mello, e composta por Admar Gonzaga, ministro do TSE, Alexandre Basílio, servidor do TRE-RS, Alessandro Abreu, advogado eleitoral e José Jairo Gomes, procurador regional da república do Ministério Público Federal.
O tema propaganda na internet foi destaque durante os debates do painel. Em sua fala, o ministro do TSE Admar Gonzaga comentou que “a internet é um campo aberto de manifestação do pensamento, mas não é um campo aberto para injúria”, referindo-se às campanhas online caluniosas contra políticos.
Já Alexandre Basílio focou sua exposição inteiramente nos aspectos da reforma política no que diz respeito à propaganda na internet, ressaltando que ainda não entendemos completamente o funcionamento de plataformas como as redes sociais e o próprio Google, dentro do jogo político. O advogado eleitoral Alessandro Abreu, por sua vez, explanou sobre o que vê como um engessamento da propaganda eleitoral, ressaltando um desequilíbrio do processo ao falar que “cada vez mais se pensa em um processo eleitoral com o único propósito de ver a propaganda eleitoral”.
Encerrando a mesa, José Jairo Gomes fez uma fala reflexiva sobre o que constitui, de fato, propaganda eleitoral, levando em consideração questões como legalidade, liberdade e internet. Questionou a regra geral de proibição de campanha, perguntando “Se a regra geral é a proibição, como é que faremos se surge uma nova mídia, como a internet?”. Comentando sobre o marketing nas redes sociais, Gomes parafraseou Eça de Queiroz “A opinião pública se fabrica”, ressaltando que o marketing não tem necessariamente compromisso com a realidade.
Em seguida, foi apresentado o painel Representação e participação política, com os subtemas “Democracia intrapartidária” e “Participação de jovens e mulheres na política”, coordenado pela juíza do pleno do TRE/SC, Luísa Hickel Gamba, e composto pelas painelistas Eneida Desiree Salgado, professora da UFPR, Ana Blasi, advogada, Margarete Coelho, advogada e vice-governadora do Piauí, e pelo professor da UFSC Orides Mezzaroba.
Debatendo sobre democracia intrapartidária, a professora Eneida Desiree Salgado demonstrou que “a democracia nunca foi o sistema mais eficaz, mas é o que garante maior liberdade”, defendendo que os partidos são constitucionalmente obrigados a serem democráticos.
Por sua vez, o professor Orides falou sobre pluralismo político e autonomia partidária, ressaltando que os partidos devem respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e também o pluralismo democrático. A advogada Ana Blasi debateu sobre a participação feminina na política sob a perspectiva da necessidade de criação de ações afirmativas para inclusão de mais mulheres. Concluindo o painel, a advogada e vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho, refletiu sobre a participação de jovens e mulheres na política.
O segundo dia do Congresso teve continuidade durante a tarde com a II Jornada Internacional de Direito Comparado, cujo tema principal foi “Direitos Políticos e Instituições Eleitorais”. A mesa foi coordenada pelo advogado catarinense e professor da Univali, Luiz Magno Bastos Jr.
Luiz Bastos deu início à Jornada destacando a importância e o caráter inovador da iniciativa, tendo em vista as semelhanças entre a realidade brasileira e a de outros países latino-americanos. A primeira parte do painel abordou o subtema “Desafios da transição democrática na Colômbia: partidos políticos e financiamento da política”. A professora da Universidade Externado da Colômbia, Paola Alvarado, traçou um panorama da participação na política colombiana acerca, principalmente, dos desdobramentos ocorridos nos acordos de paz de Havana. Já a professora da Unibrasil-PR, Ana Claudia Santano, tratou sobre o financiamento da política, traçando um comparativo entre o financiamento público, privado e a prestação de contas na Col&oc irc;mbia e no Brasil.
Na segunda metade do painel, o professor da PUC-SP, Luiz Guilherme Conci, tratou sobre o subtema “Prévias partidárias e formação de listas na Argentina”. Em sua fala, destacou as escolhas tomadas pelos partidos e como elas repercutem nos processos eleitorais, contrapondo os cenários de diferentes países da América Latina. O professor da Universidade Nacional de Córdoba, Jose Belisle, encerrou o último painel do Congresso abordando o tema das prévias partidárias argentinas.
A conferência de encerramento, coordenada pelo presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SC, Pierre Vandeline, contou com palestra do ex-ministro do TSE Henrique Neves, que falou sobre as novas regras com a reforma política, principalmente sobre o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, sobre corrupção e partidos políticos. De acordo com Neves, o tema da reforma política nunca vai parar de ser discutido e ressaltou que as novas normas “tem que ter uma conexão, não pode ser algo solto como está ficando”. O ex-ministro também argumentou que a regulamentação do Crowdfunding foi algo positivo da reforma, porém, Neves teme que não existam muitos eleitores dispostos a financiar candidatos, principalmente pelo atual descrédito da política. (Com informações da Assessoria de Imprensa do TRE/SC).