Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que o número de processos judiciais que tratam de pedidos relacionados à saúde triplicou nos últimos dez anos, em todo o país. Somente em 2019, mais de 450 mil processos foram registrados. Nesses casos, o cidadão entra com um pedido para que a Justiça obrigue o fornecimento de tratamentos, medicamentos, cirurgias e procedimentos médicos.
Parte dos pacientes pede por tratamentos ou medicamentos que não estão no rol de oferta do Sistema Único de Saúde ou dos planos de saúde, outros querem medicamentos já oferecidos pelo sistema, mas usam o processo judicial como forma de evitar a espera nas filas do SUS.
Na nova edição do podcast Justiça em Ação, os desembargadores Vera Copetti e Paulo Henrique Moritz Martins da Silva e a juíza Cândida Inês Brugnolli, que integra o Comitê Estadual de Saúde, falam sobre o assunto e abordam uma questão mais preocupante do que o aumento do número de processos: a relação entre os poderes e a interferência do Poder Judiciário na aplicação de políticas públicas de saúde.
A juíza Cândida Inês Brugnolli explica que 24% dos processos judiciais relacionados à saúde são sobre medicamentos já oferecidos pelo SUS, 8% são demandas de remédios que estão em processo de incorporação e 68% são sobre tratamentos e medicamentos que ainda não estão nas políticas públicas. “Há uma cultura que acredita que o caminho judicial é mais rápido e por isso parte dos processos são sobre medicamentos que já são oferecidos, as pessoas não querem esperar anos na via administrativa e entram com o pedido judicial”, explica a magistrada.
A desembargadora Vera Copetti explica a dificuldade dos magistrados que precisam decidir sobre casos relacionados à saúde:
“Vivemos uma situação dramática, os pedidos são sobre direitos à vida e o que mais vemos são argumentos emocionais ao invés de argumentos técnicos. Temos que ter a sensibilidade de pesar os dois lados numa decisão”, conta Vera.
Para isso, os magistrados contam com o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (Natjus) no Tribunal de Justiça e em algumas comarcas, além de um banco de dados do CNJ com informações técnicas e artigos científicos sobre os tratamentos e medicamentos solicitados. A ideia é utilizar esse núcleo de saúde para consultar médicos e especialistas em busca de alternativas para solucionar os processos judiciais. Um exemplo prático é quando ocorre um pedido judicial de medicamentos não fornecidos pelo SUS. O magistrado encaminha ao núcleo uma solicitação para encontrar, quando existente, algum remédio similar que ofereça o mesmo tratamento ao paciente.
O desembargador Paulo Henrique acredita que o excesso de atuação na Justiça causa uma distorção no orçamento público. “O juiz, quando recebe um caso, vai analisar apenas aquele paciente e assim deixa de ver todos os outros invisíveis que não têm fácil acesso ao sistema de Justiça”, explica. Para ele, uma decisão que se encaminha neste sentido prejudica o Sistema Único de Saúde (SUS), que vai gastar o que estava previsto para o coletivo com apenas um paciente. “Existe a necessidade de manter uma conversa interinstitucional ativa para elaborarmos um plano de ação que vai buscar um aperfeiçoamento na gestão de medicamentos e tratamentos”, justifica a juíza Cândida.
Para solucionar a alta demanda de judicialização da saúde, de acordo com os magistrados, a Justiça deveria atuar apenas em casos em que o serviço, que já é oferecido pelos planos ou pelo SUS, não é cumprido. “Eu sonho com um judiciário menos protagonista, onde a Justiça atue somente quando não for possível resolver as situações de forma administrativa”, explica o desembargador. Para eles, cabe à administração federal, estadual e municipal rever o rol de medicamentos e tratamentos ofertados pelo SUS frequentemente quando há uma grande demanda judicial pelo mesmo remédio, por exemplo.