Um levantamento prévio realizado por uma equipe responsável revelou que o São Lucas padece de condições sub-humanas de habitação e alojamentos insalubres e completamente inadequados, o que motivou a realização de uma Inspeção Judicial in loco pela Corregedoria Geral da Justiça e pelo Juizado da Infância e da Juventude. Apesar de ter passado por transformações positivas entre 2007 e 2008, o atendimento aos menores infratores vem decaindo desde o ano passado. “O maior foco interno de resistência foi e continua sendo o corpo de monitores, cujo papel sócioeducativo tem sido historicamente subsumido pelo aculturamento herdado do modelo menorista, implicando, por conseqüência, na continuidade do desmando e da crueldade, licenciosidade implícita gerada pela rejeição macrossocial à clientela visada. Mal capacitados, fortemente comprometidos com as expectativas invertidas de proteção da sociedade e do patrimônio, e não do adolescente estigmatizado por sua conduta transgressora e desviante, os servidores da monitoria, vítimas de singular e tradicional alienação somada à ignorância da Constituição, da lei e da sua real função, prosseguiram fazendo o que sempre fizeram: disciplinamento indiscriminado; castigos físicos; práticas cruéis compatíveis com tortura e tratamento cruel e desumano”, anotou a magistrada em sua sentença.
Para a juíza, a “reiterada certeza no silêncio dos adolescentes obtida pela inflição do medo de represálias e torturas, tudo reforçado por uma, igualmente doentia rotulação, estigmas e pelo histórico desvalor para com os internos – fomentada pela imprensa sensacionalista e pela agressiva persecução policial aos adolescentes- impôs a estes o exercício do sofrimento silente”.
Num dos depoimentos, um menor conta que, depois de apanhar com um porrete, por conta de uma acusação de ter furtado uma colher, teve desentupir o vaso sanitário (entupido com fezes) do quarto com a própria caneca que utilizava para tomar café. Depois, o menor lavou a caneca com água e detergente (sem esponja) e o foi obrigado por um dos monitores a tomar café na mesma caneca. Enquanto o menor desentupia o vaso, os monitores lhe agrediram fisicamente com porrete, tapas na nuca e enquanto estava tirando fezes com a caneca, os mesmos batiam na sua mão, fazendo com que a caneca cheia de fezes virava em cima do seu corpo.
Segundo a juíza, “a precariedade e o ultraje imposto aos direitos humanos daqueles que deveriam cumprir medidas sócio-educativas, nos convidam a no mínimo, um gesto de solidariedade, quer seja em busca de sensibilizar os governos federal e estadual, em possível consórcio com a municipalidade, para plantarmos soluções aos desafios urgentes dos quais reflitam transformações de ações e políticas públicas já assegurada em Lei e na plena vigência do Direito; ou mesmo, em parcerias junto ao Ministério Público e demais órgãos competentes para o exercício da matéria”.
O descumprimento da decisão acarretará em multa diária de R$3 mil. A juíza deu ainda prazo máximo de 15(quinze) dias a regularização da situação. Determinou ainda que os menores deverão ser acolhidos em instituição adequada, que lhes preserve a dignidade humana e que não lhes submeta, novamente a tratamento insalubre, cruel e desumano. A juíza determinou também o afastamento do senhor Venício Machado Pereira Neto, Gerente nomeado ao CER São Lucas, e de mais dois monitores, bem como deu prazo de 90 dias para instauração de processo administrativo, visando à apuração dos fatos.