A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Associação Catarinense de Psiquiatria (ACP) iniciaram, na manhã desta sexta-feira, 2 de agosto, as atividades da 1ª Conferência Nacional sobre Saúde Mental e Direito, no Auditório Solon d’Eça Neves, na sede administrativa da AMC, em Florianópolis.
A abertura das atividades contou com a presença de magistrados e demais operadores do Direito, psiquiatras, psicólogos e estudantes. O primeiro painel, um “talk-show” com apresentação da realidade brasileira acerca dos direitos dos portadores de doença mental e dos problemas a serem solucionados por meio do trabalho integrado entre Poder Judiciário, Poder Legislativo, Poder Executivo, médicos da saúde Mental e pacientes da saúde mental, foi coordenado pelo presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva. "Queremos apresentar um pouco da realidade brasileira, quando se fala em saúde mental, e encontrar uma maneira de vencer as barreiras por meio do trabalho conjunto entre todos os poderes", ressaltou. A mesa contou ainda com a presença do Juiz de Direito Corregedor Alexandre Takashima, do Juiz e diretor do Foro de Chapecó (SC), Ermínio Amarildo Darold, e do repórter do jornal O Globo Vinicius Sassini.
Durante a palestra, o presidente da ACP trouxe dados alarmantes: 12% dos presos têm doenças mentais graves, o equivalente a cerca de 60 mil doentes mentais encarcerados. “Transformamos as cadeias em novos manicômios. É um absurdo. Não podemos deixar faltar qualidade no atendimento às pessoas com problemas mentais. Esse foi o efeito colateral do movimento antimanicomial”, afirmou.
Segundo ele, um dos caminhos para tentar solucionar o problema é o trabalho em rede. “Temos que parar de achar que a internação é milagrosa. Por que não temos equipe de saúde mental nos postos de saúde?”, indagou. Silva destacou ainda que o tratamento e alta dos pacientes precisam ser reavaliados. “É necessário pensar na sequência após a internação, senão vira porta giratória”, disse.
Para o juiz Alexandre Takashima, que também palestrou, é preciso evoluir muito na questão da saúde mental. “Não é caso de punição, é caso de tratamento, de acolhimento”, pontuou. O juiz falou sobre o trabalho realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), localizado no bairro Agronômica. Segundo ele, apesar das condições de precariedade do local, muitas melhorias já foram feitas. O juiz afirmou também que mais do que a estrutura física, é preciso mudar a mentalidade punitiva do Judiciário. “Temos que parar para pensar qual é a nossa ideia de amor e, a partir daí, repensarmos o sistema. Acredito que esta conferência já é o primeiro passo”, pontuou.
Os trabalhos também contaram com uma apresentação da série de reportagens produzidas pelo repórter do jornal O Globo Vinicius Sassini, com o título “Loucura atrás das grades”, em que abordou a situação de presos diagnosticados com doença mental. Segundo ele, pelo menos 800 pessoas estão encarceradas ilegalmente em todo o país, de acordo com levantamento do O Globo. “A reação, em todos os presídios, era sempre de esconder o fato de ter doentes mentais presos, de encobrir a realidade. É uma realidade que choca”, afirmou. “Há casos de pessoas presas há nove anos sem nem existir processo, sem existir laudo. Chega a ser irreal”, frisou.
Já o juiz Ermínio Amarildo Darold ressaltou a ausência de políticas públicas para coibir o alcoolismo e o uso do crack. “Incompreensível que os governos, que diante de qualquer epidemia realizam um trabalho extenso e grandes investimentos, não apresentem soluções do mesmo calibre do problema (pandemia do crack), permitindo a criação de uma legião de inválidos, com grande desumanidade e pesados ônus sociais”, alertou.
Fruto do protocolo de cooperação firmado entre a AMC, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Associação Catarinense de Psiquiatria (ACP), o evento visa a propiciar melhores condições de atuação para as duas áreas. Além das três entidades mencionadas, a conferência tem apoio da Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC) e Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC).
Desassistência à saúde mental
O segundo painel da manhã, “Consequências sociais da desassistência à saúde mental”, contou com a coordenação do psiquiatra do Ceará, Fábio Souza, tendo como debatedores os juízes catarinenses Ermínio Amarildo Darold e Brigitte Remor de Souza May, e o psiquiatra carioca João Romildo Fanucci Bueno.
Após saudar os participantes, Souza destacou a importância do debate, sobretudo pela necessidade e importância de se construir uma legislação de reinserção social para os pacientes. Logo após, ele passou a palavra para a juíza Brigitte May, que destacou a relação entre Direito e Saúde, normalmente observada pelos operadores do Direito pelo viés do Direito Penal. “Por isso lidamos com essa questão sob a ótica da contenção, do controle social, e não do tratamento, do acolhimento a essas pessoas”, frisou. Ela ressaltou também a necessidade de uma interação maior entre os profissionais que atuam nas duas áreas. “Precisamos criar um saber comum, entre juízes e médicos, uma uniformidade de entendimentos, enfim, o início de um diálogo entre o Direito e a Medicina”, avaliou.
O juiz Ermínio Darold, por sua vez, defendeu a criação de centros de internação e, consequente ampliação de estrutura para atender pessoas com problemas de saúde mental, notadamente os usuários de drogas. Para o magistrado, além de mais estrutura, o trabalho deve se desenvolver de forma continuada. “Paralelamente, é preciso realizar um trabalho social que envolva também a família do dependente”, assinalou. Ele defendeu também mais valorização por parte do governo ao trabalho dos profissionais da Medicina, acrescentando que as manifestações nas ruas realizadas em todo País apontaram claramente para a necessidade de mudança. “O Brasil vive um momento de tudo ou nada. Creio que as coisas não vão continuar assim, não podem continuar assim e tomara que não continuem”, finalizou.
O último a fazer uso da palavra foi o médico psiquiatra João Bueno. Ele alertou para a necessidade de mais orientação à classe médica e de legislação que preconize o atendimento de qualidade na área da saúde mental. “É preciso unir forças para resolvermos o problema da desassistência à saúde mental. E penso que este evento é uma boa oportunidade para consolidarmos esse processo”, sublinhou. Em seguida, a organização do evento abriu espaço para debate e perguntas da plateia.
O evento segue na tarde desta sexta-feira e na manhã deste sábado, quando haverá, no encerramento, a apresentação da Carta de Florianópolis, contendo as principais conclusões do evento.