Congresso Estadual de Magistrados debate soluções para tornar Justiça mais ágil

Durante os dois dias (31/10 e 01/11) do tradicional Congresso Estadual de Magistrados, promovido pela Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), os juízes catarinenses estiveram reunidos no hotel Majestic, em Florianópolis, para ouvir especialistas e debater sobre os desafios do Poder Judiciário, bem como apontar caminhos e soluções para tornar a Justiça mais ágil. Com o tema central “Efetividade da Justiça: um compromisso da magistratura em favor da sociedade”, o evento reuniu cerca de 250 juízes de todo o Estado, que participaram de debates pertinentes à Justiça e à sociedade. Ao final do encontro, foi aprovada a Carta de Florianópolis, com nove proposições para agilizar a tramitação dos processos judiciais (segue, ao final do texto, a íntegra da Carta). O documento será entregue a diversos órgãos, entre eles, ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC), Conselho Nacional de Justiça, Fórum Parlamentar Catarinense e agências reguladoras.

Na noite de sexta-feira, 31 de outubro, a abertura das atividades contou com a participação de magistrados e autoridades. Além do anfitrião, o presidente da AMC, juiz Sérgio Luiz Junkes, compuseram a mesa o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC), Nelson Schaefer Martins, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, os senadores Luiz Henrique da Silveira e Casildo Maldaner, o prefeito de Florianópolis em exercício, vereador Tiago Silva, o Corregedor-Geral da Justiça Luiz Cézar Medeiros, o Procurador Geral do Estado de SC, João dos Passos Martins Neto, representando o governador, e o Diretor Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de SC, José Carlos Kurtz.

Em seu discurso, o presidente a AMC destacou que a escolha do tema deste ano levou em consideração a necessidade de se discutir não só o papel da magistratura e sua importância no contexto do Estado Democrático de Direito, mas também entender as razões e as dificuldades que a Justiça brasileira tem para entregar uma prestação jurisdicional em tempo razoável ao cidadão que a ela recorre com o intuito de fazer valer os seus direitos. “Há um paradoxo que precisa ser melhor explicado e compreendido: os nossos juízes estão entre os mais produtivos do mundo, e, mesmo assim, continuam sendo excessivamente cobrados por mais celeridade no andamento dos processos. Quais as razões para tamanha discrepância? Muitas, entre elas, o excesso de demandas, que já somam 93 milhões de ações judiciais em todo o Brasil; a ampla possibilidade de recursos judiciais; e o número insuficiente de servidores e magistrados”, frisou.

Na sequência, a AMC fez uma homenagem ao Conselheiro Salomão Ribas Júnior, ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, como "amigo da magistratura", por sua atuação como homem público e luta em favor da Justiça. "Eu não me considero merecedor de tal homenagem. Mas o profundo respeito que tenho pela magistratura fazem que me sinta, neste momento, emocionado e honrado", agradeceu Ribas Júnior.

A conferência de abertura ficou a cargo do economista e cientista social Eduardo Giannetti, considerado um dos pensadores mais respeitados pelo mundo acadêmico e empresarial brasileiro. Durante uma hora de explanação, ele fez uma análise do atual cenário econômico do país. Segundo Gianetti, a expressão que melhor define o momento é “reversão de expectativas”. “Há alguns anos, o país despontava como uma estrela entre os países emergentes, acompanhado de um movimento de igualdade social. Mas esse momento não se sustentou. Teremos um crescimento pífio, em 2014, de apenas 0,3%. É muito baixo", salientou o economista. "O alento é que o emprego se mantém elevado e a renda real das famílias também. Pelo menos por enquanto", complementou.

Debates

Os trabalhos tiveram continuidade no sábado, 1º de novembro, com o painel “Judicialização das relações sociais: causas, efeitos e alternativas”, coordenado pelo presidente do TJ/SC, Nelson Schaefer Martins. Compuseram a mesa de debates o magistrado trabalhista José Lúcio Munhoz, o ex-presidente da AMB Cláudio Baldino Maciel e os juízes de Direito Sílvio Orsatto e Romano José Enzweiler.

Os debatedores apontaram a necessidade de mudanças para combater o uso predatório da Justiça e garantir um Judiciário mais célere. "A efetividade deve ser compromisso nosso, mas não podemos ser efetivos se não tivermos instrumentos para isso. Quem quer efetividade? Parece que só uma parcela muito pequena da sociedade. Uma parcela muito maior se aproveita dessa ineficiência para benefício próprio", assinalou Maciel. No mesmo sentido, Munhoz acredita que "estamos sendo lenientes demais com o acesso à Justiça, pois o acesso aos devedores é muito fácil. É preciso inverter esse quadro para uma maior eficiência do Judiciário, e para que a sociedade nos enxergue de outra maneira".

Enzweiler pontuou ainda a necessidade de maior transparência. "Falta postura do Judiciário, que não transforma dados em informação e, consequentemente, em conhecimento. Falta uma política judiciária". Já Orsatto questionou o excesso de litígio, principalmente no que diz respeito à saúde pública brasileira. "A judicialização faz bem à saúde, mas a dose do remédio pode ter efeitos colaterais indesejados".

Homenagens

Ainda durante a manhã de sábado, com participação dos diretores da entidade, a AMC fez uma homenagem aos fundadores da instituição, os magistrados aposentados Tycho Brahe Fernandes Neto, Nauro Guimarães Collaço e Waldemiro Cascaes, com a entrega do título de sócio benemérito.

O servidor do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC), Jurandir Schroeder, assessor especial da Coordenadoria de Magistrados (Comagis), também foi agraciado com o título de sócio honorário da AMC, em razão dos relevantes serviços prestados à classe.

Palestras

As atividades retornaram no período da tarde, com palestra do jornalista Caco Barcellos, apresentador do programa na Rede Globo de Televisão Profissão: Repórter, que debateu o tema “Justiça, Imprensa e Cultura de Violência no Brasil”. "Como vira manchete algo que não se comprovou verdadeiro? Me impressiona uma declaração, sem comprovação nenhuma, chegar ao público. Acho um tremendo desrespeito", questionou Barcellos. Ele criticou ainda a proposta de Reforma do Código Penal. "Acho demagógica essa coisa de mudar a lei. Acho que temos leis muito boas, basta que sejam cumpridas".

Segundo o jornalista, os dados da violência no país são alarmantes e não correspondem ao cenário que é repassado pela polícia, que invariavelmente enxerga o pobre e negro como principal agente da violência. “A cada 10 brasileiros que cometem crimes, sete são brancos. Como que morrem mais negros então? Prendem as pessoas erradas. Que sociedade justa é essa?”, reforçou. Para ele, toda a sociedade brasileira, independente de cor, gênero e classe, é violenta.

O segundo painel da tarde amadureceu ideias em torno dos desafios e soluções para a efetividade da Justiça. Coordenado pelo desembargador Pedro Abreu, o debate contou com as seguintes participações: Joaquim de Arruda Falcão Neto, Diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas; Frederico Vasconcelos, jornalista da Folha de São Paulo; Rodrigo Tolentino de Carvalho Collaço, desembargador do TJ/SC e ex-presidente da AMB; e Alexandre dos Santos Cunha, Diretor do Ipea.

A mesa de debates trouxe questionamentos a respeito do futuro esperado para o Judiciário brasileiro. “Os dados mostram que temos um Supremo recursal, quando deveria cuidar mais de questões constitucionais. É isso que queremos?", indagou Falcão Neto. Na mesma linha de pensamento, Vasconcelos argumentou que “o Judiciário não é moroso apenas para julgar processos, mas também para cuidar de questões internas importantes, como a saúde dos magistrados, por exemplo".

Na sequência, foi exibido um vídeo de apresentação do projeto Novos Caminhos, uma parceria entre AMC, Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC) e Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC). O projeto tem como objetivo capacitar profissionalmente os jovens que, ao completar 18 anos, deixam as casas de acolhimento do Estado sem nenhuma perspectiva e inseri-los no mundo do trabalho.

Encerramento

Para encerrar as atividades, o filósofo, mestre em Educação e escritor Mario Sergio Cortella trouxe uma reflexão sobre a importância do associativismo. “Desejo que daqui há 20, 30 anos, a próxima geração tenha orgulho desses magistrados aqui reunidos”, e complementou: "A eficiência da Justiça vai muito além do conceito que conhecemos. Ser eficiente é se desacomodar para buscar soluções. O impossível não é um fato, é apenas uma opinião", afirmou.

Para o presidente da AMC, Sérgio Luiz Junkes, o Congresso Estadual de Magistrados possibilitou o debate conjunto de questões relevantes à magistratura catarinense e manteve a tradição de um evento idealizado para os magistrados. “A magistratura vem renovar a sua esperança, ainda mais com essas palavras de ânimo do Cortella, que fechou os trabalhos. É papel da magistratura trazer esperança para todos, por meio do ato de julgar. Saímos com a nossa fé renovada”, concluiu.

Como resultado de tudo que foi debatido durante o evento, a AMC elaborou a Carta Florianópolis, em que os magistrados se comprometem a intensificar a luta pela ampliação da Efetividade da Justiça, além de fomentar o debate entre a classe. Entre os itens elencados está a criação de mecanismos no âmbito do Poder Judiciário para monitorar os atores sociais mais demandados e envolver maior atuação das Agências Reguladoras com o objetivo de coibir o “uso predatório da Justiça”.

Segue, abaixo, a íntegra da Carta de Florianópolis:

CARTA DE FLORIANÓPOLIS PELA EFETIVIDADE DA JUSTIÇA

Os participantes do Congresso Estadual de Magistrados, reunidos na cidade de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, Brasil, no período de 31 de outubro a 1º de novembro de 2014, aprovam o presente documento denominado CARTA DE FLORIANÓPOLIS, defendendo e comprometendo-se a intensificarem, a partir desta data, a luta pela ampliação da EFETIVIDADE DA JUSTIÇA, e a fomentar o debate e a adesão de toda a magistratura, sobre as seguintes propostas:

1. Apoiar a PEC 15/2011 (“PEC dos Recursos”) de modo a conciliar o direito à ampla defesa com o direito à razoável duração do processo.

2. Apoiar o Projeto de Lei nº 5139/2009 que trata do Processo Coletivo permitindo que, por meio de uma só ação, a prestação jurisdicional atenda a várias pessoas.

3. Criar mecanismos no âmbito do Poder Judiciário para monitorar os atores sociais mais demandados e envolver maior atuação das Agências Reguladoras com o objetivo de coibir o “uso predatório da Justiça”;

4. Ampliar o espectro de informações disponíveis no sistema de estatística permitindo conhecer o conteúdo dos pedidos e decisões judiciais, para subsidiar políticas judiciárias;

5. Extinção do sistema de pagamento por meio de precatórios;

6. Dotar o Poder Judiciário do número de magistrados e servidores necessários;

7. Incentivar a cultura da utilização de métodos extrajudiciais de soluções de conflitos e manter a conciliação como prioridade processual.

8. Ampliar os canais de diálogo entre a magistratura e o Legislativo e Executivo, com o propósito de discutir e desenvolver pesquisas e estudos para melhorar a efetividade da Justiça como forma de fortalecimento da cidadania e do próprio Estado Democrático de Direito.

9. Estimular, por meio da imprensa, o debate com a sociedade sobre a importância de se trabalhar em favor da efetividade da Justiça, bem como engajar os meios de comunicação, com o objetivo de promover ampla visibilidade às propostas que visem agilizar a tramitação dos processos judiciais.

Florianópolis, 1º de novembro de 2014.

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