A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) publica artigo de autoria do Juiz Luiz Fernando Boller, Diretor do Foro de Tubarão. Intitulado “Prisão Preventiva Domiciliar em Habeas Corpus? Um perigoso precedente”, o artigo discute a recente acolhida de Habeas Corpus pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), autorizando a prisão domiciliar de Suzane Louise von Richthofen, assassina confessa dos pais Manfred e Marísia von Richthofen em 2002.
`PRISÃO PREVENTIVA DOMICILIAR´ EM HABEAS CORPUS? PERIGOSO PRECEDENTE.
Na última sexta-feira (26.05), a 6ª Turma do STJ acolheu pedido em Habeas Corpus ajuizado pela defesa, autorizando a saída do presídio para Suzane Louise von Richthofen, 22, assassina confessa dos pais Manfred e Marísia von Richthofen, para que ela fique temporariamente em regime de prisão domiciliar.
A 5ª Câmara Criminal do TJSP negara a concessão do benefício.
A defesa também espera que, caso seja condenada, Suzane fique fora da prisão até o trânsito em julgado de todos os recursos.
Estudante universitária, mulher ambiciosa, Suzane ajudou a assassinar os pais para usufruir da herança com Christian Cravinhos, o namorado marginal. Eles simularam um assalto para desviar o foco da polícia.
Suzane, seu namorado Daniel e o irmão dele, Christian Cravinhos, confessaram ter morto o casal von Richthofen, pais de Suzane, massacrado a golpes de barra de ferro, na casa em que a família vivia, no Brooklyn, zona sul de São Paulo, em outubro de 2002.
Os irmãos Cravinhos irão a Júri Popular na próxima segunda-feira, 5 de junho e responderão por duplo homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, com a utilização de meio cruel e impossibilidade de defesa das vítimas.
Suzane esteve presa no Centro de Ressocialização de Rio Claro, no interior de São Paulo, e deixou a prisão no final da tarde de segunda-feira (29.05).
Ao final de fevereiro último, procurou a Justiça pedindo para se tornar a gerente do patrimônio dos pais assassinados. O pedido ataca seu irmão Andreas duramente, dizendo que ele cuida dos bens com total descaso e desleixo, agindo com patente má-fé, tentando manipular o Judiciário.
Segundo o Ministério Público, Andreas, corre risco de morrer, já que é inventariante, administrador dos bens dos pais e autor da ação de exclusão de herança, além de testemunha no processo-crime. Ou seja, ele se tornou um obstáculo vivo para que ela alcance seu objetivo, que é dinheiro.
Segundo consta, havia ameaças a Andreas, com quem ela disputa a herança. Aliás, a Promotoria de Justiça enfatizou que Suzane estaria prestes a fugir do país, visto que nos nove meses em que esteve em liberdade provisória, tentou até conseguir cidadania na Alemanha, avultando que a prisão domiciliar para Suzane constituiria uma ameaça para seu irmão, por causa da disputa pela herança da família Richthofen.
Sob a repercussão do caso de Suzane, uma jovem manipulada por seus advogados – um dos quais membro da Comissão de Ética da OAB, seccional São Paulo – a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, cujo Presidente é o Senador Antonio Carlos Magalhães, do PFL da Bahia, elaborou projeto de lei que impede herança para assassinos dos pais.
Suzane teve a prisão preventiva decretada após quase um ano de liberdade. O mandado atendeu a pedido do MP e foi feito com base em reportagem publicada em 8 de abril, informando que ela queria `cuidar´ do patrimônio da família.
No dia seguinte, domingo, 9 de abril – orientada expressamente pelos advogados – Suzane, entrevistada pela Globo, simulou chorar 11 vezes e tentou parecer uma criança traumatizada. A OAB-SP poderá, inclusive, instaurar sindicância para avaliar a atuação dos advogados M. S. de O. e D. B., com quem Suzane mora, visto que ambos foram flagrados orientando-a a chorar em frente às câmeras, na entrevista que ela deu ao Fantástico e à Veja, podendo, ambos, serem alcançados com penalidades do Código de Ética e Disciplina da OAB, além das sanções estatuídas na Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a OAB).
Protetor de Suzane, o advogado D. B. era `amigo´ do falecido Manfred Richthofen.
Durante a entrevista, Suzane finge que chora e simula fragilidade e arrependimento. Nada obstante, aparenta frieza pela participação na morte de seus pais.
Ululante a hipocrisia de Suzane Louise Richthofen na televisão.
O julgamento dos irmãos Cravinhos acontecerá no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da capital de São Paulo. O 1º Tribunal do Júri de São Paulo já abriu inscrições pela internet para sorteio de cem vagas na sala de julgamento dos irmãos Daniel e Christian Cravinhos, visto que há mais de 15 mil interessados em assistir à sessão.
Para a Promotoria, Suzane Louise von Richthofen deverá ser julgada dois meses depois.
A meu sentir, o STJ optou por uma medida incomum, excepcional, ao conceder a Suzane o benefício da prisão domiciliar, visto que somente é admissível o recolhimento do beneficiário de regime aberto, em residência particular, quando se tratar de réu já condenado (art. 117 da Lei nº 7.210/84).
A concessão do benefício de prisão domiciliar institui situações subjetivas de vantagem, que apenas beneficiam réus já sentenciados cujas condições pessoais ali estejam expressamente previstas.
Não existe autorização legal para o Judiciário conceder a prisão domiciliar fora das hipóteses contempladas em lei.
A réu sentenciado não é dado escolher onde cumprir sua pena, eis que condenado, pouco importando sua qualificação.
A pena possui um caráter retributivo e a prisão domiciliar torna a sanção totalmente inócua, ensejando na população – além da sensação de impunidade – o sentimento de que somente pessoas pobres recebem pena privativa de liberdade. Além do mais, a concessão do benefício da prisão domiciliar através de habeas corpus não é a via adequada para examinar essa pretensão.
Contra as decisões proferidas em sede de execução criminal, o recurso cabível é o de agravo (art. 197, da Lei da Execução Penal).
Suzane Louise von Richthofen ainda não implementou o requisito objetivo para a concessão desse benefício. Ainda sequer foi a julgamento. Falta-lhe substrato jurídico para a pretendida prisão domiciliar.
Não existe no Código Penal Brasileiro a `prisão preventiva domiciliar´. Se Suzane obteve algo que a Lei não prevê, indiscutível que obteve um privilégio.
Ademais, a concessão de tal benefício aumenta as chances de Suzane permanecer em liberdade mesmo que seja condenada.
E se ela fugir ?
Fonte: Juiz Luiz Fernando Boller (lfb3086@tj.sc.gov.br)