Ao considerar “perfeita” a Lei Cléber Matos – homenagem ao menino negro adotado pelo deputado e precocemente falecido vítima de câncer – a juíza enfatizou que ela afronta muitas “questões escondidas” e insistiu: “Ninguém queria prazo; ninguém queria ir para o abrigo e olhar para os olhinhos daquela criança que estava lá dentro, sem pai e sem mãe, enlouquecida para ter uma família. Ninguém queria colocar o dedo nessa ferida, mas o deputado teve a coragem de fazê-lo. Para que essa lei seja operacionalizada – e não seja engavetada como mais uma lei boa, sem ser colocada em prática – precisamos, instrumentalizar os Tribunais de Justiça adequadamente, para que cada juiz seja vocacionado para ocupar o lugar em que está. É preciso que ele saia do gabinete, conheça as políticas públicas do seu Município e enfrente, com coragem, o coração da criança que está no abrigo, conseguindo uma família para ela. Temos, sim, famílias dispostas a adotar. Precisamos ativar essa questão cultural, o preconceito da família que quer apenas a criança pequena, bonita e loirinha, a menina ou aquele que não está doente.
Sônia Moroso reconheceu os avanços, mas trouxe à reflexão “a grande mudança que a Lei Cléber Matos traz no seu bojo: o reconhecimento da entidade e do acolhimento familiar como peça principal. Então, a criança está ou na família natural ou na família extensa ou na família substituta por adoção, guarda ou tutela”.
E foi além: “A família é o seio da sociedade, ela é que vai acolher essa criança. Agora, precisamos pensar e refletir o que é família. Família não e mais aquele espaço de reprodução do ser humano ou econômico que, doutrinariamente, se via. Hoje a família é espaço de acolhimento, amor, responsabilidade, afeto e compromisso com o ser humano e o desenvolvimento da criança. Hoje é fato: existem famílias heterossexuais, homoafetivas, monoparentais, isto é, há diversos arranjos familiares e poucos são contemplados pela lei. A família homoafetiva, por exemplo, já adota. Ela o faz porque alguns juízes de coragem conseguem evolução suficiente para permitir a adoção, ao compreenderem que a criança precisa estar acolhida, não importando o sexo da pessoa, mas, sim, o caráter, o que é melhor para o desenvolvimento do adotado.
Lei Omissa
Para a juíza Sônia Moroso, a lei é omissa, a medida que não reconhece a união homoafetiva como entidade familiar e advoga por sua revisão, “porque é fato que essa união existe, é fato que ela é duradoura, estável e aperfeiçoada pelo vínculo da afetividade e do amor. Precisamos banir os preconceitos, parar de esconder os problemas debaixo do tapete, trazer à baila essas discussões e enfrentar todas as dificuldades que temos. Assim, nossas crianças serão verdadeiramente acolhidas em família com uma, duas ou três pessoas, com a avó cuidando do neto, o irmão cuidando do irmão. Isso não importa; o acolhimento, o espaço de amor é mais importante”.
Ela chamou o conflito ao debate:
– Precisamos discutir todas as mazelas da sociedade, o preconceito que sempre leva a minoria a ser uma classe excluída da sociedade, à margem da lei. Hoje a lei, que não prevê a relação homoafetiva como entidade familiar, comete um crime contra essas pessoas e crianças, quando nega o direito à adoção e à constituição de família, por estar presa nesses preconceitos, que devemos, enfim, banir da sociedade. Hoje, além de reflexões e comemorações, é dia de desafios para operacionalizarmos a Lei Cléber Matos em todos os tribunais do Brasil, devemos dar condições às famílias para que elas continuem firmes e sejam reconhecidas pela lei, não só pela jurisprudência. É preciso que elas sejam reconhecidas como espaço de amor e acolhimento, a exemplo do que o deputado fez com Cléber Matos, sabendo que adoção é amor, que adotar é querer ser pai, é querer ser mãe. Adotar não é fazer solidariedade, adotar não é tirar uma criança da rua para ser bonzinho. Adoção é querer ser pai e querer ser mãe, é exercer todos os direitos relativos à maternagem e à paternagem, que são direitos da criança, do ser humano. O Poder Judiciário, o Poder Legislativo e o Poder Executivo precisam dar as mãos e enfrentar todos os problemas relativos à adoção, por uma só causa: o princípio da dignidade humana, o princípio do amor.
(Com informações da Agência de Notícias ABC Digital)