Magistrados debatem a prova testemunhal sob a ótica de Akira Kurosawa

Para debater de maneira transdiciplinar as falsas memórias e a produção da prova testemunhal, a Diretoria Cultural da AMC/Esmesc reuniu, na noite de ontem (18), magistrados e demais operadores do Direito para assistir ao filme “Rashomon” (1950), de Akira Kurosawa. Após a exibição do longa-metragem, o juiz Hélio David Vieira Figueira dos Santos introduziu o debate sobre o tema, de maneira aberta e crítica.

A película é um marco do cinema japonês e foi inspirado na obra de Ryunosuke Akutagawa, sendo uma fusão de dois contos tradicionais do Oriente: Rashômon e Dentro do Bosque. “Embora se trate aparentemente de descobrir a verdade acerca de um crime, o que se vê são vários relatos distintos acerca do mesmo fato. À maneira pessoal de ver leva à percepção dos fatos de uma perspectiva diferente”, resume o magistrado, ao iniciar o encontro.

Ele compara a película com um famoso e pequeno trecho de Fernando Pessoa:“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via o lados das coisas e outro de um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão”.

Para o juiz, o que se vê no filme é diferente, são visões que se excluem reciprocamente, já que cada um conta uma história diferente do que se passou, essencialmente diferente e não porque cada um tivesse um ponto de vista particular do caso, mas por razões particularmente egoístas tornando a busca pela verdade algo completamente inalcançável. “Sem que os critérios processuais consagrados da plausibilidade ou verossimilhança pudessem ser de qualquer utilidade”, entende.

Hélio David encerrou sua contribuição considerando que o propósito do filme, mais do que mostrar a dificuldade que a busca pela verdade pode apresentar, utiliza o incidente apenas como pretexto para mostrar a complexidade da nossa natureza. “Por isso, isso nos faz refletir sobre como devemos lidar com isso”, finalizou.

Objetivo – O projeto pretende realizar encontros periódicos com a exposição de filmes previamente selecionados e estimular o debate sobre Cinema, Direito, Literatura e Psicanálise. A juíza Ana Cristina Borba Alves, que está à frente da iniciativa, deseja dar continuidade à experiência, com novos encontros.

Leia aqui a íntegra da reflexão conduzida pelo juiz Hélio David Vieira Figueira dos Santos