Telefonias, instituições financeiras e Poder Executivo são os maiores “clientes” do Judiciário em SC

Cada vez mais consumidores procuram a Justiça para resolver conflitos e assegurar direitos que já estão reconhecidos. Nas relações de consumo, a judicialização é especialmente complexa, já que traduz a falta de regulação e fiscalização dos serviços básicos. Em Santa Catarina, um levantamento da Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) revela que instituições financeiras, empresas de telefonia e o Poder Executivo são as instituições com o maior número de processos no Tribunal de Justiça.

Neste contexto, o aumento das demandas e a lentidão no Judiciário são conseqüência e não a causa. Uma das explicações para a configuração deste quadro está na ineficiência das agências reguladoras, as quais têm um papel fundamental na garantia de serviços públicos de qualidade. No Brasil, tais órgãos são criados através de lei e tem natureza de autarquia com poderes especiais. São integrantes da administração pública indireta com a função de fiscalizar e regular as atividades de serviços públicos executados por empresas privadas, mediante prévia concessão, permissão ou autorização.

“Omissão ou deficiência estrutural, eu não sei. O que posso constatar como juiz que recebe milhares de ações envolvendo questões coletivas, é que alguma coisa não está funcionando bem nessas instituições”, resume o juiz de Direito Antônio Augusto Baggio e Ubaldo, titular do 1° Juizado Especial Cível da Capital.

Recentemente o Foro Desembargador Eduardo Luz recebeu mais de 42 mil ações de consumidores em busca de indenização pela inclusão não autorizada nos cadastros de crédito, conhecidos como SPC ou Serasa. Para Ubaldo, que reconhece a ilegalidade dos cadastros, é preciso tratar a questão de forma administrativa antes. “O que falta, antes de qualquer coisa, é uma ação maior dos órgãos reguladores”, acredita.  Para ele, é possível tratar coletivamente algumas questões, antes de judicializar e, portanto, individualizar o conflito.

“O Judiciário está assoberbado dessas questões já decididas que não precisariam voltar”, considera a juíza de Direito de Segundo Grau Janice Goulart Garcia Ubialli. E completa: “Será que as agências reguladoras cumprem efetivamente seu papel?”.

Para responder, basta constatar que no ciclo de amigos de qualquer um há inúmeras reclamações contra as empresas de telefonia, por exemplo. A pesquisa da CGJ, realizada em 2010, revela que mais de 6% dos processos em Santa Catarina são contra as empresas desta área. “No meu gabinete a campeã de reclamações é a telefonia”, reitera a magistrada que atua na 4ª Câmara de Direito Comercial.  

A juíza Cristina Paul Cunha, que atua na Comarca de Balneário Camboriú, reforça que se as agências reguladoras cumprissem o seu papel “com certeza não teríamos tantos processos no Judiciário”. E aponta uma saída: “Eu acredito que uma penalidade maior para o dano moral diminuiria esses processos”. A lógica da magistrada é clara. Se a pena aumentar, impacta mais nas empresas e, consequentemente, diminui a reincidência.

Cristina imagina que possíveis indenizações já são previstas pelas empresas, que organizam seu orçamento estimando as perdas e danos com as ações judiciais. “O que na realidade, não gera o impacto necessário para evitar que as instituições voltem a agir da mesma forma”, avalia, ao constatar que há uma série de matérias que são repetidas, só no seu gabinete.

A juíza teme que os valores altos incentivem a “indústria do dano moral”, na tentativa ilícita de enriquecimento da vítima. “É preciso ter atenção, também, para que não se perca a função do dano moral. Há, sem dúvida, uma linha muito tênue que separa esses dois lados”, expõe.

Bancos – A CGJ mostra também que seis das 10 instituições com mais processos no TJ são bancos. Isso representa, no total, 17% da movimentação processual naquele ano. Os bancos públicos e financeiras lideram a lista.

Diretor do Foro Bancário da Capital, o juiz Leone Carlos Martins Júnior explica que a maioria das ações discute a legalidade das clausulas contratuais, juros e encargos. “Deveria ter, por parte das instituições financeiras, uma maior clareza e transparência das informações. Isso evitaria a maior parte das discussões depois”, destaca. O Banco Central é o órgão responsável em fiscalizar o setor.

Neste sentido, para evitar problemas, cabe ao consumidor também buscar informações e comparar as taxas e cláusulas, antes de assinar qualquer contrato. “Por parte do cidadão, é necessário uma pesquisa, buscar os juros mais baixos”, sugere Júnior.

Caminho para solução – O aumento do número de processos, que nos últimos 10 anos dobrou, além de acompanhar o crescimento populacional, pode indicar uma sociedade mais consciente dos seus direitos. “Sobretudo depois da Constituição Federal, de 1988”, pontua a juíza Janice.

Por isso, na outra ponta, o Poder Judiciário também precisar lidar com seus limites e fragilidades. “É preciso mudar essa estrutura arcaica do Judiciário para acompanhar a agilidade dos avanços. Precisamos nos modernizar”, anseia a magistrada, que aponta para a necessidade de uma Justiça mais efetiva e rápida.

Para ela, há também acusações sem fundamento que precisam ser esclarecidas. “O Judiciário não tem orçamento próprio, não pode construir presídios e só pode agir quando provocado. Há também uma inoperância do Legislativo, exemplo disso foi o Código Civil, que ficou 30 anos sofrendo alterações”, esclarece, referindo-se à necessidade de uma profunda reforma no sistema recursal brasileiro, tornando-o mais enxuto e permitindo uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva.

Outra importante alternativa para resolver os conflitos, segundo a magistrada, é a conciliação. “Aproximar as partes para uma conversa, antes de judicializar a questão”, defende Janice. Segundo a magistrada, é muito mais importante as partes chegarem a uma solução, do que o juiz ditar. “Precisamos afastar a cultura do litígio e criar uma cultura da conciliação”, pondera.

 

Números da pesquisa*

Bancos: 160 mil processos

Telefonia: 60 mil processos

Poder Executivo: 21 mil processos

* Dados da CGJ/TJSC de 2010

 

Agências no Brasil

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Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)

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Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT)

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